A verdade sobre metamorfoses
ou
Antes e depois
ou
Acabou o ensaio
ou
Aquilo que eu nasci pra fazer
ou
A minha escolha é minha
Antes eu era assim:
Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome dos meninos que têm fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(Quem é ela? Quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde
Transito entre dois lados, de um lado
Eu gosto de opostos
Expondo meu modo, me mostro
Eu canto para quem?
Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria meu cansaço?
Meu amor, cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado
Adriana Calcanhoto
Depois eu fiquei assim:
A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.
Daqui em diante não peço mais boa sorte,
boa sorte sou eu. Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de biblioteca, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.
A terra é quanto basta:
eu não quero as constelações mais perto
nem um pouquinho, sei que se acham muito bem
onde se acham, sei que são suficientes
para os que estão em relação a elas.
(Carrego ainda aqui
os meus fardos de delícias,
carrego-os comigo por onde eu vou,
confesso que é impossível para mim
ficar sem eles; deles estou recheado
e em troca deles eu os recheio.)
Não pode-se dizer, assim, que foi uma enfiada na jaca.
Pode-se dizer que eu cansei de ficar dentro de casa fazendo crochê (literalmente) e passei o final de semana como qualquer outra jovem mulher paulistana passaria.
Estudar na USP tem mais vantagens do que eu pensava!...
Ultimamente, tudo parece que aconteceu há uma semana atrás. A cirurgia? Operei há meses... Ontem, pra mim, foi o banho de hoje de manhã. No ano passado eu era uma adolescente. Há dez anos atrás eu ainda não sabia falar.
O tempo corre, e escorre, em muitas muitas muitas coisas por fazer, sempre. Cada semana é uma lua inteira que rodou. E é tudo tão rápido - nem lembro a última vez que menstruei. E temo que a vida esteja passando por mim, enquanto calculo, distraída, quanto tempo preciso para ler o texto da aula de hoje. É tudo tão rápido, que parece que nada está acontecendo. É tudo tão rápido que eu já me acostumo a ser maior a cada dia, e me sinto sempre pequena. É tudo tão rápido que eu, finalmente, estou ficando grande.
Na tempestade de granizo que caiu ontem, lembrei que eu adoro chuvas fortes que deixam o céu com cor de absinto. Sorri, espionando as pedrinhas de gelo na janela - como uma criança e fogos de artifício. Quantas dessas chuvas-de-lavar-a-alma caíram à minha revelia?
Pra quanta gente que eu amo eu deixei de telefonar, simplesmente porque o tempo passou?
Adeus, cruel mundo impressionista.
Adeus, eterno quadro de Monet.
Dentro de algumas horas eu não serei mais míope.
Não TÃO míope, pelo menos.
A difusão de linhas é poética, mas pouco prática.
Tenho a impressão que a partir de amanhã vou ser capaz de enxergar a (minha) vida toda com mais objetividade.
E escancarar pro mundo meus olhos semi-verdes.
